sexta-feira, 23 de outubro de 2015
LUA CHEIA
Serei de ti, até à lua cheia
Dividirei contigo meu destino
Te contarei meu tempo de menino
Te deixarei pulsar na minha veia
De ti, farei retrato do que sou
Pra te olhar, quando quiser me ver
E, quando a lua reaparecer
La estarei, de riso sedutor
Posso fingir, se me quiser fingido
Posso contar do sonho que não tive
Posso morrer no sonho, inclusive
Só pra te ver, de coração partido
Terei de ti, o braço e o abraço
Da tua mão, amigarei a minha
A ti, darei reinado de rainha
Amarrarei a vida no teu passo
E, bendirei de ti a toda hora
Embora seja tudo fantasia
Meu olho de poeta te vigia
E minha alma tola te adora!
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
A PÉA DE FUMO
Já fui a folha mais bela
Das folhas do seu pomar
Era clara de brilhar
Um cheiro embriagador
Macia como uma flor
Um verdume de veludo
Como o tempo acaba tudo
Repare como fiquei
II
Certo dia me pintei
Fizeram trança de mim
Fui parar no butiquim
Na boca de quem me queira
Negociada na feira
No mais miúdo varejo
A cada palmo me vejo
Cortada no canivete
III
Mascada como chiclete
Na boca do caipora
Jogada de porta a fora
Depois do mel acabado
Sou pisada pelo gado
Nem a formiga me quer
Folha que solta do pé
Não sabe onde vai parar
IV
Um dia vão me fumar
Me queimar devagarinho
Me esconder num cantinho
Como se eu fosse culpada
Noutro dia sou mascada
Cuspida na lata véa
Termino virando péa
Jogada pelo quintal
V
Me larguei do bananal
Levada pelo morcego
Fui parar dentro dum rego
Que escorria do cano
Fui salva por um cigano
Que gostava de “pitá”
Terminei a fumaçar
No derradeiro consumo
VI
Da bela folha de fumo
Restou a péa de mim
Resmungo meu triste fim
Nunca vi pior lugar
No dente de mastigar
Da boca do fazendeiro
Cuspida no seu terreiro
Pro rola-bosta brincar!!!
ABANADOR
Subiu a temperatura
Da jura, do maldizer
O gelo vai derreter
Nas profundezas do mar
O homem vai acabar
Com os recursos da terra
Não cansa de fazer guerra
Só pra contar os feridos
Oceanos entupidos
De lixo de experiências
Arrisca a própria existência
Com mania de grandeza
Insulta a natureza
Que já lhe manda sinais
O pior dos animais
Atira no próprio pé
O aumento das marés
As altas temperaturas
Pobres gerações futuras
Não verão um pé de pau
Beberão água de sal
Desenganados da vida
A terra desmilinguida
Implora pelo seu manto
É mãe que chora seu pranto
Por conta do filho ingrato
Que botou fogo no mato
Pra semear de capim
O resultado no fim
É a terra derreter
E o homem a se arder
Sem ter um abanador!!!
SAIA DE RENDA
Quisera
ser costurado
Na
renda da tua saia
Pra
quando fores à praia
Ir pendurado contigo
II
Imagino
meu castigo
No
fustigado do vento
No
maior do sofrimento
Vento
pra lá e pra cá
III
Meu
velho querido mar
Me
faça combinação
Não
molhe meu coração
Na
altura do babado
Mantenha-se
recuado
Durante
o passeio dela
Não
lhe passe da canela
Que
não sou de aventura
V
Se
a maré tiver altura
Traga
a menina pra fora
Não
lhe banhe com demora
Que
posso me resfriar
VI
Peça
a ela pra botar
Todo
dia a mesma saia
De
babado de cambraia
Pro
vento me fustigar!!!
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
AO ACASO
Acaso nunca se sabe
Porquanto nunca duvide
Se acaso coincide
Não faz de caso pensado
Acaso não foi criado
Pendurado na boléia
Acaso não faz idéia
Não se cabe num intuito
Acaso é caso fortuito
Resulta do imprevisto
Acaso é mando de Cristo
Um truque da natureza
Porventura, incerteza
Destino, sorte, talvez
Deixado a gosto de Deus
Pendendo pro Deus dará
No caso vou esperar
Que o acaso me saiba
E se acaso me caiba
Me tome se for o caso
Mas porém se por acaso
O acaso não vier
Me pego na minha fé
Esperando que um dia
Senhor acaso me diga
De onde vem a cantiga
Que tanto me melodia!!!
ROCEIRO ENCABULADO
Muito tempo to sozinho,
meu pente da bem guardado,
esperando para o ano,
com dinheiro do roçado
mandar fazer minha roupa,
do pano mais engomado
cabelo de brilhantina,
bigode bem aparado
pra quando me der com ela,
não ficar encabulado
namorar no escurinho,
a dona do meu roçado!
quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
ZÉCATINGA & VAGAREZA
ZÉCATINGA e
VAGAREZA
I
(VAGAREZA)
O meu nome é Vagareza
Tenho um amigo do peito
Zécatinga foi eleito
A catinga do planeta
Estralo de caçulêta
Ligeiro que nem a bala
Pulou de dentro da mala
No dia que foi nascido
Não sei, mas deve ter sido
Aborto da natureza
II
As coisas do Zécatinga
São tudo fora de rumo
Não larga a masca de fumo
Por causa das muriçoca
Diz que gosta da Maroca
Que mora do outro lado
Mas tem aquele cunhado
Com a sua esquisitice
Pelo jeito que ele disse
Só pode ser baitinga
III
É o veneno da cobra
Quando dá uma cuspida
Acabou com uma vida
Um dia de madrugada
Sapecou a machadada
No vulto dentro do muro
Como tava muito escuro
Só foi ver no outro dia
Velório de romaria
Coitada da sua sogra
IV
Apesar de ser zanôi
Ele é bom de pontaria
Sem querer um certo dia
Entrou numa confusão
Ele, na sua razão
Não respeitou a patente
O povo ali presente
Ficou de queixo caído
O guarda foi atingido
No mei da bila do oi
Namorou por muitos anos
Serafina seu amor
Foi quando me convidou
Pra conhecer o pai dela
Só tinha beijado ela
Assim na correspondência
Na hora da recompensa
Uma moça com dordói
Mal podia abrir o zói
Foi doído seu engano
VI
Saiu de pano passado
Mudelito de jacu
Parecia um cururu
Pro rumo da cantoria
Já ia raiando o dia
Encontrou a Setembrina
O cheiro de criolina
Espalhou na capoeira
Já era segunda feira
Os dois ainda grudado
VII
Perdeu todo seu dinheiro
Com uma compra de gado
Ficou um mês internado
Por causa de anemia
Depois de quarenta dias
Infezado sem comer
Eu sem nada merecer
Inda sofro na intriga
Agora você me diga
É ou não é um fulêro
VIII
Ele nunca se atrasa
Para ver o futebol
Cheirando carne de sol
Minha mulher fica puta
Ele faz que não escuta
Tira caca do nariz
É um momento feliz
Quando ele vai embora
Inda fica meia hora
A catinga pela casa
IX
Ele mora num casebre
Que só tem um aguidá
Nem cacimba tem por lá
Pra lavar sua catinga
Se morasse na zaninga
Tinha o rio pra nadar
Não precisava ficar
Dez dias na mesma roupa
A água tem que ser pouca
Se não lhe mata de febre
X
Fui comer na sua casa
Foi só eu de convidado
O chão de barro pisado
Uma esteira de capim
Ele colocou pra mim
Um aguidá de traira
Uma alça de imbira
Na cumbuca de pirão
Faça cirimônia não
Traira assada na brasa
XI
Me contou apaixonado
Que se riu pra Filomena
A menina mais pequena
Da Maria do Juá
Desse dia para cá
Filomena de mansinho
De longe corta caminho
Tem medo de assombração
Até pediu proteção
Pro filho do Delegado
XII
Um amigo bom assim
Não se acha todo dia
De novinho não fidia
A mãe podia banhar
Difícil de aguentar
Comendo na mesma mesa
Me chama de vagareza
Porque ando devagar
Zecatinga vai contar
O quanto gosta de mim!!!
Aconteceu bem assim
Parecia um demente
Eu fugindo da enchente
Com um bode na cacunda
Vagareza de segunda
Nadava feito uma mesa
A água da correnteza
Não cobria um coelho
Ele com os cutuvelo
Atolado no capim
XIV
Joguei o bode no rio
Pra salvar o companheiro
A água só no joelho
Nem a roupa ta molhando
Ele ali se afogando
Com priguiça de nadar
Se danou a praguejar
Quando lhe botei na beira
Pressa demais é besteira
Quanto mais quem não pediu
XV
Pra recuperar o bode
Nadei feito condenado
Vagareza pro seu lado
Não demonstrava uma ruga
Qualquer dia a tartaruga
Passa por cima de ti
Carreira de jabuti
Ta no teu DNA
Tudo nele é devagar
Até hoje sem bigode
XVI
Aborto da natureza
Eu sei muito bem quem é
A enchente da maré
Devolveu como refugo
Sobre um monte de sabugo
Boiando sem rumo certo
Pescador passando perto
Recolheu a encomenda
Com jeito de oferenda
La estava vagareza
XVII
Precisou tomar um susto
Para conseguir falar
Pôs na feira pra doar
Fez um bingo na quermesse
Não achou que lhe quisesse
Levou de volta pra casa
Hoje ele criou asa
Fica falando de mim
Gosto dele mesmo assim
Embora não ache justo
XVIII
Passei os quarenta dias
Trancado com cadiado
Só porque comprei um gado
Que ele também queria
Veja só a putaria
Que vagareza me fez
Me trancou mais de um mês
Comprou o gado primeiro
Pagou com o meu dinheiro
Prometeu que devolvia
XIX
Zanôia é Mariquinha
A mulher que lhe pariu
Por isso caiu no rio
De onde lavava roupa
Esqueceu a coisa pouca
Fazendo não sei o quê
Quando lembrou de você
Olhando pra dois lugar
Na correnteza a boiar
A titica de galinha
XX
Namorei uma menina
Escrevia todo mês
Foi quando chegou a vez
De falar com o pai dela
Vagareza na cancela
Ficou cagando de medo
Vou lhe contar um segredo
Que hoje muito me dói
Vagareza pôs os zói
No irmão de Serafina
XXI
Buato de mentiroso
A machadada que dei
Se eu nunca me casei
Como matei minha sogra
Vagareza é uma cobra
Com andar de tartaruga
Uma espécie de verruga
Que a gente tem saudade
Comparo sua amizade
Com uma talba de fojo
XXII
Vagareza certo dia
Como posso lhe contar
Inventou de namorar
Uma moça da cidade
Foi uma calamidade
Para quem não merecia
O coitado não sabia
Dos predicado da moça
Tinha um olho de louça
E era torta da bacia
XXIII
Vagareza se atrasa
Em tudo que vai fazer
Quando senta pra comer
Os prato já tão lavado
Se firmar um combinado
Só chega no outro dia
Sua comida esfria
Enquanto pega farinha
Só pega uma galinha
Se for quebrada da asa
XXIV
Vagareza foi levar
O dicumê no roçado
Sua mãe butou recado
Pra chegar no meio dia
Chegou já escurecia
E seu pai com malvadeza
Amarrou o vagareza
No tronco da catingueira
Amanhã que deus queira
Eu volto pra te buscar
XXV
Nunca vi home tão mole
Para o lado de muié
A minina da Raque
Se butô pra ele só
Vagareza de pongó
Fez que nem butô repara
Merece surra de vara
Pra dexá de sê lesado
Mesmo sendo bulinado
Vagareza não se bole
XXVI
Vagareza só pissui
Uma calça de riscado
Quando volta do roçado
Lhe pindura no cordão
Os inseto cai no chão
E sobe pelas parede
Impesteia sua rede
Acha bom é se coçar
Sua vida é balançar
Sobre um saco de gurgúi
XXVII
Agora formô casal
Não entendi sua pressa
Parece que foi promessa
No passado de fogueira
A moça toda faceira
Por causa dessa titica
Sem querer fazer futrica
Mais já iscuto buato
Que um rasto de sapato
Foi visto no seu quintal
XXVIII
Não entendo esse povo
Da língua desse tamanho
Parece que tomar banho
É coisa melhor que tem
A sujeira me faz bem
Pra espantar muriçoca
Depois a minha Maroca
Não reclama do meu cheiro
Se vier o chuvueiro
Eu tomo banho de novo!!
XXIX (VAGAREZA)
Zécatinga tua asa
Já está grande demais
Não sei o quê que te faz
Achar que tão te ouvindo
Mais de hora só mentindo
Querendo me derrubar
Se eu resolver contar
O quanto tu é seboso
Urubu mais corajoso
Não voa na tua casa
XXX
O suvaco lhe abriga
Criação de carrapato
Pensei que fosse buato
Mas pude presenciar
A camisa firviar
De aranha e percevejo
Qual mulher que dá um beijo
Num cabra fidido assim
Tu precisa dar um fim
Parar de botar lombriga
XXXI
Tem catinga porque quer
Parece gostar do nome
Se antes de virar home
Tua mãe te dava banho
Agora desse tamanho
Morre de medo de água
O travesseiro, com mágoa
Ta nos planos de fugir
Não agüenta sentir
A catinga do seu Zé
XXXII
Vou falar com a Noviça
Pra pedir pro Seu Vigário
Uma reza de rosário
Um pouco de água benta
Penitência de quarenta
Pai Nosso Ave Maria
Tomar banho todo dia
Como se fosse promessa
Na segunda tu começa
Teu nome saiu na Missa!!!
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