segunda-feira, 4 de setembro de 2017

CATINGUEIRO SONHADOR





                  










Um dia, muito cansado
De tanto sol apanhado
Chapéu de palha rasgado
Cochilando recostado
Num tronco velho queimado
Que dá sombra no roçado
Eu já de quengo lesado
Num sonho de abestado
Sonhei que tinha criado
Todas as coisas do mundo
               II
Comecei pelo segundo
Que bate no coração
Contei os dedo da mão
E já chegava janeiro
Foi só criar o ponteiro
Por o tempo pra correr
Comecei envelhecer
No primeiro tic-tac
Escrevi no almanaque
O nascimento da vida
               III
A sorte andava perdida
Disse que ia comigo
Dormi nas paia do trigo                 
No macio dos pendão
Era a juba do leão
Que dormia de priguiça
Assim tu num ganha missa
Repara por onde pisa
Se a sorte não avisa
Não devia estar com ela
             IV
Suado até as canela
Com um calor de matar
Resolvi então criar
Uma lagoa salgada
Com areia nas berada
Pra lama não atolar
Botei o nome de mar
Ficou de boa fundura
Dei um pouco de largura
Pra ninguém atravessar
                V
Criei o vento de ar
Pra não esbarrar em nada
Fiz a serra elevada
Pras água num invadir
Fiz a coruja dormir
Somente durante o dia
Pimenta, que não ardia
Botei logo pra arder
Fiz o rato pra roer
Com o dente da cotia
              VI
Criei a noite e o dia
Mandei o vento soprar
Pra de noite me banhar
Botei as água no rio
Uma noite tive frio
Escavaquei um vulcão
Botei em erupção
E fiz a minha fogueira
Como a cinza fez pueira
Eu apaguei com o pé    
              VII
Fiquei olhando a maré
Pensando no que faltava
O que não tinha eu criava
O que tinha eu não mexia
Já quase no fim do dia
Num toque de inspiração
Lembrando do meu pião
Sentado em cima da serra
Eu arredondei a terra
Botei ela pra rodar
             VIII
Fiz a chuva derramar
Para lavar os pecados
Dos pobres desavisados
Que abusam do destino
Criei o redemoinho
Pra varrer o escondido
Criei o sexto sentido
E coloquei na mulher
Na hora dos cafuné
Já sabe por onde andei
              IX
Os passarim eu criei
Botei cantiga no bico
Inda fiz o maçarico
Com canela de socó
Pus amargo no jiló
Dei casco pra tartaruga
Botei o salto na pulga
Pra não morrer de surpresa
Fiz a sombra na defesa
Contra o ataque do sol
            X
Enrolei o caracol
Dei casa pro aruá
Minhoca foi reclamar
Da vida no atoleiro
Ainda botei um cheiro
Nas viria do cassaco
Safadeza no macaco
Depois me arrependi
Só presta pra se inxirir
Por nada já se debulha
              XI
Fiz o furo da agulha
Pra linha poder passar
Fiz a roda circular
No redondo da esfera
Fiz o tempo e a espera
Fiz a onda e o rochedo
A coragem e o medo
Fiz o olho e o olhar
A moça pra se casar
O homem que não se queixe
              XII
Botei espinha no peixe
Botei cheiro no jasmim
Esporão no anikim
Botei catinga no bode
Budejado e o bigode
Lhe fiz o pai do chiqueiro
Fiz o olho bem ligeiro
Botei o cisco no vento
Inventei o pensamento
Pra dar tempo de pensar
             XIII
Fiz a guerra dos preá
Pois fiquei inconformado
Por que o rato com rabo
E o coitado não tem
Fiz os rato de refém
Soltei os preá pra riba
Preá e rato na briga
Foi coisa dismantelada
O grunido e a dentada
Só via rabo avuar
            XIV
Mandei a água molhar
Criei o nó e a corda
Fiz o fundo fiz a borda
Botei a folha no galho
Fiz a rota e o atalho
Fiz o rumo e o caminho
A vontade e o destino
Fiz o cabo e o machado
Fiz a cerca e o cercado
Fiz a vara e a canoa
             XV
Botei cheiro na safrôa
Semente no jirimum
Agaia no gaiamum
Fiz a teima e a pirraça
Botei cheiro na fumaça
Pus coceira no capim
Tornei o mundo sem fim
Inventei a arapuca
Botei a mão na cumbuca
E nada me aconteceu
           XVI
Tirei a fé do ateu
Fiz o cravo e a berruga
Condenei a sanguessuga
A viver de parasita
Fiz a cabra e a cabrita
Botei preto no carvão
Criei as pedra do chão
Pintei as mata de verde
Botei balanço na rede
Fiz a chuva e a garoa
            XVII
Sonhando horas à toa
Com a enxada do lado
Roncando feito um capado
Sem se dar conta da vida
Mais uma tarde perdida
E o roçado no mato
Coberto de carrapato
E o bocó pelo mundo
Dormindo sono profundo
Sem plantar uma espiga
              XVIII
Encontrei uma formiga
Com a folha na cacunda
Bem maior que sua bunda
Já banhada de suor
Por que não corta menor
A folha não vai fugir
Assim tu vai entupir
A boca do formigueiro
Vai janeiro e vem janeiro
Só paro quando morrer
              XIX
Fiz a pinga de beber
Que no meu sonho não tinha
Dei escama pra sardinha
Botei listra no coró
Dei canto pro curió
Adocei a rapadura
Botei bolha na fervura
Bem na hora de ferver
Mandei o amanhecer
Abrir o clarão da barra
             XX
O grilo e a cigarra
Que não sabiam cantar
Eu mandei estagiar
Na casa do assum preto
Depois que pegaro jeito
Coitado do meu ouvido
Não aguento o tinido
No intirisso da noite
É cantiga de açoite
Num ouvido operado
              XXI
Deixei o céu azulado
Que antes não tinha cor
Tive um caso de amor
Com uma linda donzela
Eu me encontrava com ela
Em um castelo encantado
Eu com roupa de roçado
Ela coberta de cheiro
Me chamava de guerreiro
Seu valente caçador
            XXII
Pra ser meu descobridor
Tens que buscar uma senha
No fim do ôco das brenha
Depois do malassombrado
Se abrir o cadeado
E tu me puseres nua
Esta noite serei tua
Com todo meu esplendor
Corre meu gladiador
Trás a minha liberdade              
            XXIII
Pensando na caridade
Que eu podia fazer
Não que fosse por prazer
Era sua liberdade
Quem faria essa maldade
Por cadeado na dama
Nisso me veio uma chama
Sem meio de se apagar
O resto não vou contar
Pra não quebrar o encanto
           XXIV
Caminhei os quatro canto
Pelos pontos cardeais
Bajulei os animais
Os que morde e os que voa
Botei mangue na camboa
Dei veneno pra serpente
Por ser um bicho valente
Tirei as perna e os braço
Diminui o seu passo
Lhe botei o rastejado
           XXV
Encontrei monstros sagrados
Caminhei na ventania
Vi toda mitologia
E o grito da sua ira
Princesas tocando lira
Piscando olho pra mim
E o sonho sem ter fim
E eu fazendo cagada
Mexendo na bicharada
Bulindo com a natureza       
           XXVI
Me tornei a realeza
Eu era o dono de tudo
Um dia dava cascudo
Na cabeça do leão
No outro era biliscão
Na barriga da serpente
Parecia adolescente
Podia butar buneco
Pintar todos os caneco
Sem limite pra reinar
            XXVII
Deixei a terra e o mar
Fui passear no espaço
Aliviar o cansaço
Da minha vida mesquinha
Fui cair numa casinha
De porta muito miúda
Meu senhor que me acuda
Só pode ser o inferno
Meu divino pai eterno
Entrei na casa do cão
           XXVIII
Rastejando pelo chão
Encontrei coisa ruim
Mostrou a língua pra mim
Inda me fez um mungango
Lhe transformei num calango
Lhe mandei um discunjuro
Eu que sou um homem puro
Lhe fiz o sinal da cruz
Tenho Deus que me conduz
Diante do capiroto       
          XXIX
Fui expulso num arrôto
Com meu rosário na mão
Parei num grande portão
Feito de favo de mel
Só podia ser o céu
Eu ali admirado
Quando bateu o cajado
O porteiro de plantão
Mandei um escorpião
Na terra pra te buscar
            XXX
Sem moral pra reclamar
Da minha morte cruel
Acompanhei o bedel
Por um corredor azul
Quando vi andava nu
Do jeito que vim ao mundo
Caí num sono profundo
Que não me lembro de nada
Acordei de madrugada
Rodeado de fulô
            XXXI
Pensei... agora danou
Acho que to num velório
Quando vi um oratório
Com todo mundo a chorar
Consegui me levantar
Soprei, apaguei a vela
O povo de sentinela
Dizendo que foi o vento
Ali, naquele momento
Pensei que tinha morrido
           XXXII
Lhe pedi arrependido
Pra ser mandado pra terra
O seu contrato encerra
Dentro de trinta segundo
A sua estada no mundo
Encontra-se terminada
Sua roça foi brocada
Pelo seu substituto
A mulher quebrou o luto
Entregou a rapadura
             XXXIII
Me cobri de amargura
Faltei pouco pra morrer
Comecei a me tremer
Deu suadeira nos pé
A notícia da mulher
Embaralhou meu sentido
Como ultimo pedido
Quero um anjo dicretado
Que corra lá no roçado
Pra mode me acordar           
        XXXIV
O anjo correu pra lá
Voltou voando nas asa
Visitou a minha casa
Comigo já falecido
Relatou o ocorrido
Com prova documental
Na nota cartorial
Vi o meu obituário
No caixão do funerário
A minha fotografia     
           XXXV          
Já quase me refazia
Abandonado da sorte
Me deparei com a morte
Que não fez conta de mim
Perguntei-lhe mesmo assim
Quem havia lhe criado
Disse, vim dum enforcado
Lá do cumeço do mundo
Da alma do moribundo
Que se desprega da vida
              XXXVI
Pensando na minha ida
Lembrei da minha idade
Oh morte, tenha a bondade
Aumente o tempo da minha
Pensei que você não vinha
Disse ela com desdém
Já rezaram teu amém
Eu era o escorpião
Esmagaiado no chão
Debaixo do teu traseiro
         XXXVII
Num pulo de catingueiro
Pulei o muro do céu
Me melei todo de mel
Dos pés até a barriga
Um batalhão de formiga
Correndo pra me lamber
Acordei a me arder
Com a bunda ferroada
Com uma dor disgraçada
Do veneno do ferrão
          XXXVIII
Disparei num carreirão
O tanto que dava o pé
Só pensava na mulher
Com a sua viuvez
Um sonho pra mais de mês
Cheguei na ponta dos pés
Espiei no através
Do buraco da tramela
Vi Maria nas panela
Com a roupa que eu deixei    
          XXXIX
Sem graça me aproximei
A mulher a se abanar
Tô quase pra dismaiar
Nesse calor infernal
Coitado dos animal
Que tem o sol de abrigo
Ai, eu pensei comigo
Sabe de nada inocente
Soubesse da boca quente
Tava vestida de luto
            XL           
Só cabeça de roceiro
Bulir no céu e na terra
Organizar uma guerra
Pelo rabo do preá
Se cheguei a blasfemar
Minhas humilde desculpa
Sonhar não foi minha culpa
Foi o sono que bateu
Um beijo para quem leu
Meu sonho Discompensado!


domingo, 11 de junho de 2017

O MILAGRE DO CABELO DE OURO







                     













Nasceu numa casa pobre
Família mais pobre ainda
Uma menina tão linda
Que fez inveja pro sol
                   
Tinha um brilho de farol
Com olhos da cor do mar
Nem que eu fosse desenhar
No mundo nunca se viu
                  
Seu cabelo era de fio
Mais tudo fio de ouro
Luzia como tesouro
Doía de tão dourado
                
No dia do batizado
O Padre fez um apelo
Não molhou o seu cabelo
Chamou sua mãe do lado
                 
É um momento sagrado
Rezemos em oração
Vamos pedir proteção
Pra essa pobre menina 
               
É um tesouro de mina
Pensou o Padre consigo
Vou arrumar um abrigo
Na Casa Paroquial
               
Logo adotou o casal
Com toda dedicação
Também não tirava a mão
Da cabeça da menina
               
Cuidado com lamparina
Cuidado com fogareiro
Bote olho no cabelo
Dia e noite, noite e dia
                  
Toda noite o Padre ia
Visitar sua Divina
Era o nome da menina
Por ele mesmo botado
                 
Dum jeito dissimulado
O Padre com muito zelo
Arrancava um cabelo
E guardava na batina
               
O cabelo da menina
Era mesmo encantado
Pra cada fio arrancado
Nascia dois no lugar
              
Na hora de arrancar
Fazia o sinal da Cruz
Prometia pra Jesus
Um cabelo a cada dez
              
Quero por seu através
Com muito fio arrancado
Botar um novo telhado
Fazer a troca do sino
                
Pediu ao frei capuchino
Pintou de ouro seu manto
Pintou as unhas do santo
Fez ouro sua patena
                  
Nos festejos da novena
Não passava sacolinha
O dízimo agora vinha
Dum tesouro arrancado 
                  
Falou que tinha sonhado
Uma botija enterrada
Bem debaixo da calçada
Da Casa Paroquial
                  
Sonhou com Frei Nicolau
Cavando de madrugada
Quando foi na alvorada
A botija tava lá
                 
Um dia pra não lembrar
A Divina escapuliu
Ninguém sabe ninguém viu
O seu cabelo de ouro
               
O Padre caiu no choro
Foi parar no Batalhão
Um grande terço na mão
As contas maior ainda
               
E sua menina linda
Com seu cabelo de ouro
Se transformou num besouro
E sumiu na ventania 
                   
Diz a lenda que um dia
Na hora dum batizado
Veio um besouro dourado
Mergulhou dentro da pia
               
O Padre, logo sabia
Quando viu sua menina
O besouro era Divina
Querendo se batizar
E desse dia pra cá
Abandonou a batina!!!



A PRESSA É DO RELÓGIO, NÃO É MINHA!






                         







O homem nasce com tudo por fazer
Trabalha duro e fica independente
Quando fica sabido, experiente
Já se encontra na hora de morrer
É um troço difícil de entender
Essa vida às vezes tão mesquinha
Não me queixo de coisas que não tinha
Acho até que um dia, foi pior
Mas, se o tempo parasse era melhor
A pressa é do relógio, não é minha!
                        
O ponteiro da hora me consome
O minuto não para de correr
O segundo se põe a me roer
Só me fica a letra do meu nome
Fora isso, no fim tudo se some
Só me sobra o sessado da farinha
Os parentes me levam pra casinha
Que parece um inferno de calor
Não me venha com pressa, por favor
A pressa é do relógio, não é minha!               
                    
O relógio é ferrugem roedeira
É trem desgovernado que não para
É a ferida braba que não sara
É um despencar da ribanceira
É o fogo queimando a capoeira
Devorando com tudo que eu tinha
É pra terra que tudo se encaminha
Nem precisa pintar o seu cabelo
Quando a morte vem não tem apelo
A pressa é do relógio, não é minha!
                      
Meu relógio tem sido camarada
Me gastou muito menos que devia
Me acorda tocando melodia
Pra depois me dizer que não é nada
Me faz levar o lixo na calçada
E quando vejo, engordo na cozinha
Pouca vida é tão boa quanto a minha
Pouca coisa me põe aperriado
Se me lembro, estou aposentado
A pressa é do relógio, não é minha!
                     
Se o vento soprar devagarinho
Posso ficar mais tempo no cavalo
Já estou reduzindo meu embalo
Pra colher mais flores no caminho
A ponta afiada do espinho
Ameniza conforme se caminha
Já deixei meu chicote quando vinha
As esporas, doei para o museu
Meu cavalo sabe tanto quanto eu
A pressa é do relógio, não é minha!
                     
Compromisso qualquer já me enfada
Não me chame se for pra trabalhar
Quero o dia e a noite pra rimar
O que levo da vida não é nada
Meu cavalo cochila na ramada
Garantida que foi minha sardinha
Hoje conto com mais do que eu tinha
Comparando o que tive no passado
E o tempo ficando do meu lado
A pressa é do relógio, não é minha! 
                  
Hoje tenho o sossego merecido
Que gastei minha vida na espera
Só preciso da sombra da tapera
Do quinhão que obtive na jornada
Não é muito, mas sobra pra mesada
Se um filho tocar a campainha
Inda dá pro feijão e pra farinha
Pra encher a barriga todo dia
Sexta-feira inda tem a boemia
A pressa é do relógio, não é minha!
                  
Não me pode faltar a minha Brahma
Que rebate feliz a minha sede
Só separo da cama para a rede
Quando deixo a rede vou pra cama
Isso já atrapalha minha fama
Já escuto na rua, picuinha
Me acordo no canto da rolinha
Entre as folhas febris dos cajueiros
Inda quero ficar muitos janeiros
A pressa é do relógio, não é minha! 
                  
Não quero nada mais do que já tenho
Não quero avião nem bangalô
Só levo minha alma, quando for
Riqueza pra deixar, não faço empenho
Só trago corpo e alma, quando venho
Quando volto, só levo ladainha
Um caixão que me serve de bainha
Pra não ser carcomido pela terra
Se é assim que tudo se encerra
A pressa é do relógio, não é minha!
                      
Tenho um JEEP de usucapião
Que me leva na porta do mercado
O Gerôncio prepara meu grolado
Não dispenso o café do barracão
Jogo dez no azar e dou pro cão
Todo dia eu faço uma fezinha
Se não tô no Carlão numa prosinha
É que já fui parar no Lingapleza
Balançando o tucum, chapéu na mesa
A pressa é do relógio, não é minha! 
                   
Se você tá pensando que demora
Pode ir muito antes do que eu
O homem não é peça de museu
Quando chega seu dia, vai embora
O relógio já conta sua hora
Não preciso falar nas entrelinhas
Sua sina é parar na capelinha
Os parentes chorando de saudade
Pra morar na cozinha da cidade
A pressa é do relógio, não é minha!
                   
Entra ano, sai ano e eu faceiro
Não podia querer coisa melhor
Quando lembro que um dia viro pó
Boto olho no tempo do ponteiro
Cada dia ele corre mais ligeiro
Vai por fim engolindo a minha linha
Só não quero me internar na camarinha
E acordar tão somente pra cuspir
Se é pra ser assim, prefiro ir
Tira a pressa do relógio e põe a minha!!!