domingo, 26 de agosto de 2012
O MENINO E A RAPOSA
Prantá roça de criá calo, espinhaço inté o chão, pissuir as criação, a dispois raposa fazê banquete? Uma ova!
Era seu pai praguejando enquanto oleava a velha espingarda de carregar pela boca. Nunca vira seu pai tão enfezado. Parecia mordido de raposa. Mergulhou a caneca no pote, lavou o rosto e dirigiu-se ainda sonolento para a mesa do café.
- Bença mãe.
- Deus te Bençoe!
Teu pai tá espritado de raiva. O galinheiro tá que é pena. As pegada é de raposa.
- Eita, será que cumeu a Maricota?
Ainda onte contei os bicho. Pra mais de cem. Fora os pinto.
Lembrou-se de Maricota, ressuscitada debaixo da cuia, muito fraquinha, salva no pirão de leite com farinha. Imaginou seu pescoço franzino de frangota, entre os dentes afiados da raposa. E se ela tivesse dormido trepada? Raposa não sobe no pé de pau.
Já cruzava o terreiro em direção ao galinheiro, quando seu pai lhe interrompe o pensamento.
Vá num pé e vorte nouto, na budega do seu Leocádio comprá as munição. Na minha sombra raposa num faiz arrancho.
A raposa estava encalacrada. Tinha pena do bicho bruto que age por instinto, apenas pra matar a fome. Se pudesse deixaria um aviso pra ela no galinheiro.
Um frasco de chumbo, espoleta, pólvora pra dez carrego.
- Seu Leocádio, tem chumbo que num é chumbo? Que bate mais num fura?
Seu Leocádio lambeu o papel, enrolou o pé duro.....
- Oia seu minino, já escuitei falá num tá de festim, mai eu memo nunca vi não. Diga seu pai que esse eu num tenho não.
- Não seu Leocádio, ele nem queria desse não.
Tinha que fazer alguma coisa pra salvar a raposa daquela emboscada.
Pediu a seu pai pra lhe deixar fazer o carrego, assim colocaria só bucha e pólvora, tiro de festim. Pedido negado.
Bota porva, bota bucha, bota chumbo e outa bucha. Acho qué assim. Nem me alembro a derradera vez que atirei num bicho. Acho que foi num quexada que tava acabano cum miaral. Ô foi na pintada?
A pobre raposa estava mesmo com as horas contadas. Foi zinindo pra escola, se aconselhar com sua amiga Chiquinha. Só ela e mais ninguém na sua idade, tinha tutano de homem.
Chiquinha era a brigona da escola. Todo menino tinha medo dela. Mas, pra sua sorte, era sua amiga e confidente.
- Chiquinha, meu pai tá armado até os dente.
- Questão de terra?
- Raposa mesmo.
Após confabularem durante toda a aula, Chiquinha lhe empresta sua arapuca gigante, que logo foi armada na trilha das pegadas. Agora era só rezar pra raposa passar por ali naquela noite. E mais um pequeno detalhe, que foi lembrado pelo menino.
- Chiquinha, arapuca sem galinha não pega raposa.
- Será que ela se importa de comer galinha lá de casa?
Os dois rolaram na terra numa grande gargalhada!
A ansiedade não lhe deixou dormir naquela noite. Ao chegar na armadilha de manhã cedinho, Chiquinha, mais astuta que a raposa, lá estava acocorada contemplando sua presa. Fizeram uma grande gaiola de varas amarradas de cipó. Era a nova casa da raposa, que para tanto não foi consultada.
Os dias foram passando e o segredo dos dois aumentando. Já passava de dez galinhas, suas cumplicidades. Já estava ficando perigosa a brincadeira. Um tiro pela culatra, com perdão do trocadilho, lhes custaria uma bela surra de cipó.
Numa noite chuvosa e fria, o homem volta da tocaia todo molhado, tal qual a raposa na gaiola. O menino que ainda não dormira, preocupado com o desfecho da sua trama, escuta a conversa dos pais.
- Tenho cá cumigo que ela me espia inté eu sair. Animá cum fome nem bebe água, amoitado. Tu tá contano essis bicho? Namemente tão amiudano.
- Tu sabe que me atrapaio na conta, quando elas se mexe.
- Vai vê que a bicha inté já se mudô da redondeza, e eu aqui me fazendo de besta. E esse minino que num me ajuda mais em nada, agora é unha e carne cum a menina do cumpade Chico.
Passados dias, seu pai deu a raposa por morta, após Chiquinha dar falsa notícia de uma nuvem de urubu lá pelas suas terras. Meu pai não deu falta de nenhum bicho, só pode ser ela, conclui a menina.
A raposa ainda comeu muitas galinhas.
De sorte, seu pai não sabia contar.
Adotada com nome de Maricota, a raposa virou animal de estimação.
Tempos depois, na escola.....
- Meu pai vai mudar de criação, diz que vai criar porco. Bicho maior.
- Tem arapuca pra onça? Pergunta Chiquinha com um sorriso maroto!
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