Um
dia, muito cansado
De
tanto sol apanhado
Chapéu
de palha rasgado
Cochilando
recostado
Num
tronco velho queimado
Que
dá sombra no roçado
Eu
já de quengo lesado
Num
sonho de abestado
Sonhei
que tinha criado
Todas
as coisas do mundo
II
Comecei
pelo segundo
Que
bate no coração
Contei
os dedo da mão
E
já chegava janeiro
Foi
só criar o ponteiro
Por
o tempo pra correr
Comecei
envelhecer
No
primeiro tic-tac
Escrevi
no almanaque
O
nascimento da vida
III
A
sorte andava perdida
Disse
que ia comigo
Dormi
nas paia do trigo
No
macio dos pendão
Era
a juba do leão
Que
dormia de priguiça
Assim
tu num ganha missa
Repara
por onde pisa
Se
a sorte não avisa
Não
devia estar com ela
IV
Suado
até as canela
Com
um calor de matar
Resolvi
então criar
Uma
lagoa salgada
Com
areia nas berada
Pra
lama não atolar
Botei
o nome de mar
Ficou
de boa fundura
Dei
um pouco de largura
Pra
ninguém atravessar
V
Criei
o vento de ar
Pra
não esbarrar em nada
Fiz
a serra elevada
Pras
água num invadir
Fiz
a coruja dormir
Somente
durante o dia
Pimenta,
que não ardia
Botei
logo pra arder
Fiz
o rato pra roer
Com
o dente da cotia
VI
Criei
a noite e o dia
Mandei
o vento soprar
Pra
de noite me banhar
Botei
as água no rio
Uma
noite tive frio
Escavaquei
um vulcão
Botei
em erupção
E
fiz a minha fogueira
Como
a cinza fez pueira
Eu
apaguei com o pé
VII
Fiquei
olhando a maré
Pensando
no que faltava
O
que não tinha eu criava
O
que tinha eu não mexia
Já
quase no fim do dia
Num
toque de inspiração
Lembrando
do meu pião
Sentado
em cima da serra
Eu
arredondei a terra
Botei
ela pra rodar
VIII
Fiz
a chuva derramar
Para
lavar os pecados
Dos
pobres desavisados
Que
abusam do destino
Criei
o redemoinho
Pra
varrer o escondido
Criei
o sexto sentido
E
coloquei na mulher
Na
hora dos cafuné
Já
sabe por onde andei
IX
Os
passarim eu criei
Botei
cantiga no bico
Inda
fiz o maçarico
Com
canela de socó
Pus
amargo no jiló
Dei
casco pra tartaruga
Botei
o salto na pulga
Pra
não morrer de surpresa
Fiz
a sombra na defesa
Contra
o ataque do sol
X
Enrolei
o caracol
Dei
casa pro aruá
Minhoca
foi reclamar
Da
vida no atoleiro
Ainda
botei um cheiro
Nas
viria do cassaco
Safadeza
no macaco
Depois
me arrependi
Só
presta pra se inxirir
Por
nada já se debulha
XI
Fiz
o furo da agulha
Pra
linha poder passar
Fiz
a roda circular
No
redondo da esfera
Fiz
o tempo e a espera
Fiz
a onda e o rochedo
A
coragem e o medo
Fiz
o olho e o olhar
A
moça pra se casar
O
homem que não se queixe
XII
Botei
espinha no peixe
Botei
cheiro no jasmim
Esporão
no anikim
Botei
catinga no bode
Budejado
e o bigode
Lhe
fiz o pai do chiqueiro
Fiz
o olho bem ligeiro
Botei
o cisco no vento
Inventei
o pensamento
Pra
dar tempo de pensar
XIII
Fiz
a guerra dos preá
Pois
fiquei inconformado
Por
que o rato com rabo
E
o coitado não tem
Fiz
os rato de refém
Soltei
os preá pra riba
Preá
e rato na briga
Foi
coisa dismantelada
O
grunido e a dentada
Só
via rabo avuar
XIV
Mandei
a água molhar
Criei
o nó e a corda
Fiz
o fundo fiz a borda
Botei
a folha no galho
Fiz
a rota e o atalho
Fiz
o rumo e o caminho
A
vontade e o destino
Fiz
o cabo e o machado
Fiz
a cerca e o cercado
Fiz
a vara e a canoa
XV
Botei
cheiro na safrôa
Semente
no jirimum
Agaia
no gaiamum
Fiz
a teima e a pirraça
Botei
cheiro na fumaça
Pus
coceira no capim
Tornei
o mundo sem fim
Inventei
a arapuca
Botei
a mão na cumbuca
E
nada me aconteceu
XVI
Tirei
a fé do ateu
Fiz
o cravo e a berruga
Condenei
a sanguessuga
A
viver de parasita
Fiz
a cabra e a cabrita
Botei
preto no carvão
Criei
as pedra do chão
Pintei
as mata de verde
Botei
balanço na rede
Fiz
a chuva e a garoa
XVII
Sonhando
horas à toa
Com
a enxada do lado
Roncando
feito um capado
Sem
se dar conta da vida
Mais
uma tarde perdida
E
o roçado no mato
Coberto
de carrapato
E
o bocó pelo mundo
Dormindo
sono profundo
Sem
plantar uma espiga
XVIII
Encontrei
uma formiga
Com
a folha na cacunda
Bem
maior que sua bunda
Já
banhada de suor
Por
que não corta menor
A
folha não vai fugir
Assim
tu vai entupir
A
boca do formigueiro
Vai
janeiro e vem janeiro
Só
paro quando morrer
XIX
Fiz
a pinga de beber
Que
no meu sonho não tinha
Dei
escama pra sardinha
Botei
listra no coró
Dei
canto pro curió
Adocei
a rapadura
Botei
bolha na fervura
Bem
na hora de ferver
Mandei
o amanhecer
Abrir
o clarão da barra
XX
O
grilo e a cigarra
Que
não sabiam cantar
Eu
mandei estagiar
Na
casa do assum preto
Depois
que pegaro jeito
Coitado
do meu ouvido
Não
aguento o tinido
No
intirisso da noite
É
cantiga de açoite
Num
ouvido operado
XXI
Deixei
o céu azulado
Que
antes não tinha cor
Tive
um caso de amor
Com
uma linda donzela
Eu
me encontrava com ela
Em
um castelo encantado
Eu
com roupa de roçado
Ela
coberta de cheiro
Me
chamava de guerreiro
Seu
valente caçador
XXII
Pra
ser meu descobridor
Tens
que buscar uma senha
No
fim do ôco das brenha
Depois
do malassombrado
Se
abrir o cadeado
E
tu me puseres nua
Esta
noite serei tua
Com
todo meu esplendor
Corre
meu gladiador
Trás
a minha liberdade
XXIII
Pensando
na caridade
Que
eu podia fazer
Não
que fosse por prazer
Era
sua liberdade
Quem
faria essa maldade
Por
cadeado na dama
Nisso
me veio uma chama
Sem
meio de se apagar
O
resto não vou contar
Pra
não quebrar o encanto
XXIV
Caminhei
os quatro canto
Pelos
pontos cardeais
Bajulei
os animais
Os
que morde e os que voa
Botei
mangue na camboa
Dei
veneno pra serpente
Por
ser um bicho valente
Tirei
as perna e os braço
Diminui
o seu passo
Lhe
botei o rastejado
XXV
Encontrei
monstros sagrados
Caminhei
na ventania
Vi
toda mitologia
E
o grito da sua ira
Princesas
tocando lira
Piscando
olho pra mim
E
o sonho sem ter fim
E
eu fazendo cagada
Mexendo
na bicharada
Bulindo
com a natureza
XXVI
Me
tornei a realeza
Eu
era o dono de tudo
Um
dia dava cascudo
Na
cabeça do leão
No
outro era biliscão
Na
barriga da serpente
Parecia
adolescente
Podia
butar buneco
Pintar
todos os caneco
Sem
limite pra reinar
XXVII
Deixei
a terra e o mar
Fui
passear no espaço
Aliviar
o cansaço
Da
minha vida mesquinha
Fui
cair numa casinha
De
porta muito miúda
Meu
senhor que me acuda
Só
pode ser o inferno
Meu
divino pai eterno
Entrei
na casa do cão
XXVIII
Rastejando
pelo chão
Encontrei
coisa ruim
Mostrou
a língua pra mim
Inda
me fez um mungango
Lhe
transformei num calango
Lhe
mandei um discunjuro
Eu
que sou um homem puro
Lhe
fiz o sinal da cruz
Tenho
Deus que me conduz
Diante
do capiroto
XXIX
Fui
expulso num arrôto
Com
meu rosário na mão
Parei
num grande portão
Feito
de favo de mel
Só
podia ser o céu
Eu
ali admirado
Quando
bateu o cajado
O
porteiro de plantão
Mandei
um escorpião
Na
terra pra te buscar
XXX
Sem
moral pra reclamar
Da
minha morte cruel
Acompanhei
o bedel
Por
um corredor azul
Quando
vi andava nu
Do
jeito que vim ao mundo
Caí
num sono profundo
Que
não me lembro de nada
Acordei
de madrugada
Rodeado
de fulô
XXXI
Pensei...
agora danou
Acho
que to num velório
Quando
vi um oratório
Com
todo mundo a chorar
Consegui
me levantar
Soprei,
apaguei a vela
O
povo de sentinela
Dizendo
que foi o vento
Ali,
naquele momento
Pensei
que tinha morrido
XXXII
Lhe
pedi arrependido
Pra
ser mandado pra terra
O
seu contrato encerra
Dentro
de trinta segundo
A
sua estada no mundo
Encontra-se
terminada
Sua
roça foi brocada
Pelo
seu substituto
A
mulher quebrou o luto
Entregou
a rapadura
XXXIII
Me
cobri de amargura
Faltei
pouco pra morrer
Comecei
a me tremer
Deu
suadeira nos pé
A
notícia da mulher
Embaralhou
meu sentido
Como
ultimo pedido
Quero
um anjo dicretado
Que
corra lá no roçado
Pra
mode me acordar
XXXIV
O
anjo correu pra lá
Voltou
voando nas asa
Visitou
a minha casa
Comigo
já falecido
Relatou
o ocorrido
Com
prova documental
Na
nota cartorial
Vi
o meu obituário
No
caixão do funerário
A
minha fotografia
XXXV
Já
quase me refazia
Abandonado
da sorte
Me
deparei com a morte
Que
não fez conta de mim
Perguntei-lhe
mesmo assim
Quem
havia lhe criado
Disse,
vim dum enforcado
Lá
do cumeço do mundo
Da
alma do moribundo
Que
se desprega da vida
XXXVI
Pensando
na minha ida
Lembrei
da minha idade
Oh
morte, tenha a bondade
Aumente
o tempo da minha
Pensei
que você não vinha
Disse
ela com desdém
Já
rezaram teu amém
Eu
era o escorpião
Esmagaiado
no chão
Debaixo
do teu traseiro
XXXVII
Num
pulo de catingueiro
Pulei
o muro do céu
Me
melei todo de mel
Dos
pés até a barriga
Um
batalhão de formiga
Correndo
pra me lamber
Acordei
a me arder
Com
a bunda ferroada
Com
uma dor disgraçada
Do
veneno do ferrão
XXXVIII
Disparei
num carreirão
O
tanto que dava o pé
Só
pensava na mulher
Com
a sua viuvez
Um
sonho pra mais de mês
Cheguei
na ponta dos pés
Espiei
no através
Do
buraco da tramela
Vi
Maria nas panela
Com
a roupa que eu deixei
XXXIX
Sem
graça me aproximei
A
mulher a se abanar
Tô
quase pra dismaiar
Nesse
calor infernal
Coitado
dos animal
Que
tem o sol de abrigo
Ai,
eu pensei comigo
Sabe
de nada inocente
Soubesse
da boca quente
Tava
vestida de luto
XL
Só
cabeça de roceiro
Bulir
no céu e na terra
Organizar
uma guerra
Pelo
rabo do preá
Se
cheguei a blasfemar
Minhas
humilde desculpa
Sonhar
não foi minha culpa
Foi
o sono que bateu
Um
beijo para quem leu
Meu
sonho Discompensado!
Meu mano querido.
ResponderExcluirCoisa mais linda essa tua versão da criação.
Tem que nascer outro Poeta igual a ti Menino de Aningas.
Vou ler mais, te deixo meu carinho e um cheiro.
Da mana Goretti Albuquerque.
Beijo mana, obrigadíssimo!
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