Já que tô de quarentena
Que devo ficar em casa
Vou aproveitar o tempo
Num cordel de cova rasa
Pedindo a todos os Santos
Pedindo ao povo da Nasa
Que invente uma engenhoca
Que asse vírus na brasa
II
Um tal de Coronavirus
Desembestou pela terra
Da Ásia foi pra Europa
Devastando feito guerra
Atravessou continentes
Tá aqui no pé da serra
Basta um infectado
E o povo todo se ferra
III
O mundo inteiro sentiu
Tamanha foi a surpresa
Um vírus desconhecido
Com fúria de correnteza
O povo despreparado
Sofrendo na incerteza
A doença corre solta
A saúde anda presa
IV
O vírus vem do morcego
Que passou pro pangolim
Um animal de escamas
De aparência ruim
Sua carne é iguaria
La pras bandas de Pequim
Sua escama afrodisíaca
Bem que servia pra mim
V
Outro diz qu’é do macaco
Do morcego ou coisa assim
Diz um monte de besteiras
Deve até comer capim
Emprega o tempo do povo
Com papo de “butiquim”
Não devemos dar ibope
Pra comentário chinfrim
VI
Escuto tanta conversa
Que fico desconsolado
Um diz que o vírus foi
De propósito esparramado
De vingança de problemas
Na balança do mercado
Quem sabe furou o saco
Quando ia transportado
VII
Ouvi que alguns países
Respirador já não tem
É gente pra todo lado
Ambulância vai e vem
Dentro da prioridade
O idoso não convém
Salva o moço que trabalha
Manda o velho pro além
VIII
Em Bérgamo na Itália
Está faltando caixão
Os agentes funerários
Não suportam a lotação
Os corpos são carregados
Jogados no caminhão
Pros fornos das olarias
Pra fazer a cremação
IX
Nestes tempos virulentos
De comoção social
Carece muito cuidado
Com notícia de jornal
Um diz que “isso” faz bem
O outro diz que faz mal
Siga só na recomenda
Do poder oficial
X
Milhões de especialistas
Aparecem nessa hora
Um diz “da porta pra dentro”
O outro “porta pra fora”
O pobre, que não entende
Depressa se apavora
Se apega a todos os Santos
Roga por Nossa Senhora
XI
É um tal de lava-mão
Lava-mão e lava-mão
Já estou preocupado
Com a falta de sabão
Não fui mais na padaria
Não fui mais no barracão
Nunca mais queimei o dente
Nunca passo do portão
XII
Gente pobre e gente rica
Com medo do bicho feio
Gente que não se banhava
Agora pegou asseio
Autoridades do mundo
Usando tudo que é meio
Cientistas renomados
Nem isso lhe bota freio
Que o vírus não se demore
Que não leve tantas vidas
Que sejamos pacientes
Com figuras repetidas
Todo dia a mesma coisa
Vidas e vidas perdidas
Além da perda doída
A perda sem despedidas
XIV
Nunca fui encarcerado
Nunca matei um pardal
Agora com esse vírus
Tô na condicional
Não tenho tornozeleira
Mas temo meu funeral
Se acabar a comida
Como farinha com sal
XV
Se você chegar da rua
Não abrace seu avô
O idoso é vulnerável
Como pétala de flor
Não convide pra visita
Orelha de cobertor
No final da tempestade
Vem o sol e seu calor
XVI
Quando chega encomenda
Já fico sobressaltado
Talvez o entregador
Esteja contaminado
Lhe chamo de corajoso
Mais me mantenho afastado
Agradeço gentilmente
Mais fico desconfiado
XVII
Será que veio na caixa
Então na nota fiscal
Na caneta, no recibo
Nas mãos dele, afinal?
Com medo da embalagem
Já rebolo no quintal
Se por acaso eu espirro
Ai Jesus....e coisa e
tal
XVIII
Vou na caixa do correio
Pegar a conta de luz
Rogo a Deus, coronavirus
Que tu não chegue na Cruz
Já vivo na minha casa
Mascarado de capuz
Já está encomendada
Garrafada de mentruz
XIX
Eu que sou um beijoqueiro
Adoro pegar na mão
Me vejo desconcertado
Diante do meu irmão
Eu peço perdão a ele
Ele me pede perdão
Dois metros de separado
Não destrói a união
XX
O vírus vai pela boca
Se aloja na garganta
Quando chega nos pulmões
Convém apelar pra Santa
A reza de pulutrica
De certo não adianta
Repila o coronavirus
Não lhe convide pra janta
XXI
Aqui no nosso Brasil
Tivemos boa atitude
O povo faz homenagem
Aos agentes de saúde
Porém se entram no trem
O povo se torna rude
São expulsos do vagão
E acaba toda virtude
XXII
Existe muitas doenças
Correndo no mundo afora
Mas nenhuma tem assombro
Como esse vírus de agora
Está sendo comparado
Com a gripe espanhola
50 milhões de mortos
Morria três mil por hora
XXIII
Tomara que sua fúria
Perca força no caminho
Que não chegue em minha casa
Nem na casa do vizinho
Que apareça vacina
Com amargo que quinino
Que mate todos os vírus
Antes de sair do ninho
XXIV
Talvez em poucas semanas
Meu medo tenha aumentado
Prevejo tempos difíceis
Vamos sofrer um bocado
Alimento se acabando
Com o preço triplicado
O dinheiro definhando
E o povo desesperado
XXV
Tomara esteja enganado
Que nada disso aconteça
Qu’eu esteja variando
Com minhoca na cabeça
Que a rotina do povo
Enfim se restabeleça
Talvez com medo da Cruz
O vírus não apareça
XXVI
Enquanto escrevo o cordel
As mortes vêm aumentando
O vírus que tava longe
Já está se aproximando
Já tem um caso suspeito
Por aqui me “arrudiando”
Tomara seja mentira
Já estou me confessando
XXVII
Se você já é maduro
Idoso assim como eu
Aí que mora o perigo
Tamo no escuro breu
Não pode ir na igreja
Leva vida de ateu
Já sabemos que o vírus
Mata mais que Zébedeu
XXVIII
Como faz esse corona
Uma coisa que não voa
Atravessar oceanos
Chafurdar minha camboa
Contaminar minha gente
De qualidade tão boa
Deve vir de passageiro
Na garganta da pessoa
XXIX
Aqui na minha cidade
O povo se convenceu
Que não é uma gripezinha
Basta ver o Europeu
Todo mundo está em casa
Tanto ela quanto eu
Pelo menos até agora
Todo mundo obedeceu
XXX
O medo faz sentinela
Na casa de todo mundo
Vivo no isolamento
Num sentimento profundo
Se me vem uma coriza
Já me sinto moribundo
Me botou trancafiado
Esse vírus vagabundo
XXXI
Que o bom Deus ilumine
As nossas autoridades
E não permita que eles
Alimentem vaidades
O vírus também lhes pega
Sem dó e sem piedade
A paulada é a mesma
Pra toda sociedade
XXXII
Tem gente que bota um ovo
Com medo da pandemia
Pra outros ela não passa
De gripezinha vazia
Cuidado com sua língua
Não pregue boataria
Pois o vírus não escolhe
Classe ou categoria
XXXIII
Ainda está no início
Aqui no meu Ceará
Certamente logo-logo
O vírus vai alastrar
Nós já temos o exemplo
Não podemos vacilar
Faça bem a sua parte
Pra mais tarde não chorar
XXXIV
Todo dia o povo morre
Todo dia nasce mais
Depois do vírus corona
Muita coisa não se faz
Sem mais encontros furtivos
Como fazia os casais
Agora só pelo vídeo
Com medo das digitais
XXXV
Já gastei a paciência
Enjoei televisão
Já reli todos os livros
Já bebi o garrafão
Uso máscara e luvas
Quando passo do portão
Meu cabelo tá horrível
Pelo medo do salão
XXXVI
Já passa de 15 dias
Que estou de rouquidão
Já comi muita gengibre
Mastiguei o açafrão
Deus me livre da virose
Invadir meu alçapão
Por enquanto me defendo
Com cachaça e com limão
XXXVII
Tivemos a Peste Negra
Em mil trezentos e tal
O transmissor era a pulga
Um minúsculo animal
Como um bicho tão pequeno
Pôde fazer tanto mal
Morava no seu cachorro
O anjo negro fatal
XXXVIII
Nosso anjo de jaleco
Que arrisca sua vida
Contamina sua casa
Sua família querida
Tá virando paciente
Respiração assistida
Amanhã vai ser cremado
Sem reza e sem despedida
XXXIX
Como nos outros países
Vamos ter a pandemia
O vírus se multiplica
Assim da noite pro dia
Não quebre o isolamento
Não renove companhia
Não fique pulando cerca
Pratique a monogamia
XL
É triste ver logo cedo
Passar na televisão
Na porta do crematório
A fila de caminhão
Com o seu ente querido
Numa urna de caixão
E você trancafiado
Da garagem pro porão
XLI
Tomara um vírus malvado
Mais malvado do que tu
Te queime na labareda
Do fogo do cunhaú
Extermine tua raça
Te transforme num angu
Que sejas finalizado
No bico do urubu
XLII
Ao povo de quarentena
Aponto minha atenção
Já não sabe o que fazer
Com tanta informação
Já sente claustrofobia
Com regime de prisão
Muita calma nessa hora
Tenha Deus no coração
XLIII
Aponte seu pensamento
Para o bem do seu irmão
Que morre nos quatro cantos
Seja moço ou ancião
Se fizer a sua parte
Já fez uma boa ação
Na dor o povo se une
No amor, melhor então
XLIV
Suspiro pra ir na rua
Desisto na mesma hora
Meus filhos, netos e netas
Não querem qu’eu vá embora
Família é tudo na vida
Principalmente agora
Resista com toda força
Lá fora o mundo já chora
XLV
Já senti a quarentena
Já me deu ansiedade
Sinto falta dos amigos
De andar pela cidade
Estou fazendo de casa
As provas da faculdade
Todos princípios são flores
É a mais pura verdade
XLVI
Não quero ser obrigado
A fazer outro cordel
Contando coisa pior
Desse vírus tão cruel
Estamos no fim de março
Não tem mais álcool em gel
O mês de abril promete
Vou fazer o meu papel
XLVII
Que ninguém se aproveite
Pra dar calote também
Quando o vírus for embora
A justiça logo vem
Como ando esquecido
Esqueci do armazém
Me passa o número da conta
Q’eu te mando aqueles l00
XLVIII
Do jeito que anda o mundo
Sem porta sem taramela
Com os parafusos soltos
Sem porca nem arruela
Talvez o medo nos sirva
Para fechar a cancela
Um freio de arrumação
Com palmada de chinela
XLIX
Não que eu seja perfeito
Também estou incluído
Tantas vezes fui errado
Sem ficar arrependido
É que hoje vejo coisas
Que me deixa constrangido
Peço vênia e espero
A ninguém ter ofendido
L
Às pessoas que resistem
Padecer na quarentena
Faça contagem dos mortos
Todo dia a mesma cena
Se alastrando pela terra
Tanto choro que dá pena
O vírus devasta mundos
Que nem a gota-serena!!!