domingo, 11 de junho de 2017

O MILAGRE DO CABELO DE OURO







                     













Nasceu numa casa pobre
Família mais pobre ainda
Uma menina tão linda
Que fez inveja pro sol
                   
Tinha um brilho de farol
Com olhos da cor do mar
Nem que eu fosse desenhar
No mundo nunca se viu
                  
Seu cabelo era de fio
Mais tudo fio de ouro
Luzia como tesouro
Doía de tão dourado
                
No dia do batizado
O Padre fez um apelo
Não molhou o seu cabelo
Chamou sua mãe do lado
                 
É um momento sagrado
Rezemos em oração
Vamos pedir proteção
Pra essa pobre menina 
               
É um tesouro de mina
Pensou o Padre consigo
Vou arrumar um abrigo
Na Casa Paroquial
               
Logo adotou o casal
Com toda dedicação
Também não tirava a mão
Da cabeça da menina
               
Cuidado com lamparina
Cuidado com fogareiro
Bote olho no cabelo
Dia e noite, noite e dia
                  
Toda noite o Padre ia
Visitar sua Divina
Era o nome da menina
Por ele mesmo botado
                 
Dum jeito dissimulado
O Padre com muito zelo
Arrancava um cabelo
E guardava na batina
               
O cabelo da menina
Era mesmo encantado
Pra cada fio arrancado
Nascia dois no lugar
              
Na hora de arrancar
Fazia o sinal da Cruz
Prometia pra Jesus
Um cabelo a cada dez
              
Quero por seu através
Com muito fio arrancado
Botar um novo telhado
Fazer a troca do sino
                
Pediu ao frei capuchino
Pintou de ouro seu manto
Pintou as unhas do santo
Fez ouro sua patena
                  
Nos festejos da novena
Não passava sacolinha
O dízimo agora vinha
Dum tesouro arrancado 
                  
Falou que tinha sonhado
Uma botija enterrada
Bem debaixo da calçada
Da Casa Paroquial
                  
Sonhou com Frei Nicolau
Cavando de madrugada
Quando foi na alvorada
A botija tava lá
                 
Um dia pra não lembrar
A Divina escapuliu
Ninguém sabe ninguém viu
O seu cabelo de ouro
               
O Padre caiu no choro
Foi parar no Batalhão
Um grande terço na mão
As contas maior ainda
               
E sua menina linda
Com seu cabelo de ouro
Se transformou num besouro
E sumiu na ventania 
                   
Diz a lenda que um dia
Na hora dum batizado
Veio um besouro dourado
Mergulhou dentro da pia
               
O Padre, logo sabia
Quando viu sua menina
O besouro era Divina
Querendo se batizar
E desse dia pra cá
Abandonou a batina!!!



A PRESSA É DO RELÓGIO, NÃO É MINHA!






                         







O homem nasce com tudo por fazer
Trabalha duro e fica independente
Quando fica sabido, experiente
Já se encontra na hora de morrer
É um troço difícil de entender
Essa vida às vezes tão mesquinha
Não me queixo de coisas que não tinha
Acho até que um dia, foi pior
Mas, se o tempo parasse era melhor
A pressa é do relógio, não é minha!
                        
O ponteiro da hora me consome
O minuto não para de correr
O segundo se põe a me roer
Só me fica a letra do meu nome
Fora isso, no fim tudo se some
Só me sobra o sessado da farinha
Os parentes me levam pra casinha
Que parece um inferno de calor
Não me venha com pressa, por favor
A pressa é do relógio, não é minha!               
                    
O relógio é ferrugem roedeira
É trem desgovernado que não para
É a ferida braba que não sara
É um despencar da ribanceira
É o fogo queimando a capoeira
Devorando com tudo que eu tinha
É pra terra que tudo se encaminha
Nem precisa pintar o seu cabelo
Quando a morte vem não tem apelo
A pressa é do relógio, não é minha!
                      
Meu relógio tem sido camarada
Me gastou muito menos que devia
Me acorda tocando melodia
Pra depois me dizer que não é nada
Me faz levar o lixo na calçada
E quando vejo, engordo na cozinha
Pouca vida é tão boa quanto a minha
Pouca coisa me põe aperriado
Se me lembro, estou aposentado
A pressa é do relógio, não é minha!
                     
Se o vento soprar devagarinho
Posso ficar mais tempo no cavalo
Já estou reduzindo meu embalo
Pra colher mais flores no caminho
A ponta afiada do espinho
Ameniza conforme se caminha
Já deixei meu chicote quando vinha
As esporas, doei para o museu
Meu cavalo sabe tanto quanto eu
A pressa é do relógio, não é minha!
                     
Compromisso qualquer já me enfada
Não me chame se for pra trabalhar
Quero o dia e a noite pra rimar
O que levo da vida não é nada
Meu cavalo cochila na ramada
Garantida que foi minha sardinha
Hoje conto com mais do que eu tinha
Comparando o que tive no passado
E o tempo ficando do meu lado
A pressa é do relógio, não é minha! 
                  
Hoje tenho o sossego merecido
Que gastei minha vida na espera
Só preciso da sombra da tapera
Do quinhão que obtive na jornada
Não é muito, mas sobra pra mesada
Se um filho tocar a campainha
Inda dá pro feijão e pra farinha
Pra encher a barriga todo dia
Sexta-feira inda tem a boemia
A pressa é do relógio, não é minha!
                  
Não me pode faltar a minha Brahma
Que rebate feliz a minha sede
Só separo da cama para a rede
Quando deixo a rede vou pra cama
Isso já atrapalha minha fama
Já escuto na rua, picuinha
Me acordo no canto da rolinha
Entre as folhas febris dos cajueiros
Inda quero ficar muitos janeiros
A pressa é do relógio, não é minha! 
                  
Não quero nada mais do que já tenho
Não quero avião nem bangalô
Só levo minha alma, quando for
Riqueza pra deixar, não faço empenho
Só trago corpo e alma, quando venho
Quando volto, só levo ladainha
Um caixão que me serve de bainha
Pra não ser carcomido pela terra
Se é assim que tudo se encerra
A pressa é do relógio, não é minha!
                      
Tenho um JEEP de usucapião
Que me leva na porta do mercado
O Gerôncio prepara meu grolado
Não dispenso o café do barracão
Jogo dez no azar e dou pro cão
Todo dia eu faço uma fezinha
Se não tô no Carlão numa prosinha
É que já fui parar no Lingapleza
Balançando o tucum, chapéu na mesa
A pressa é do relógio, não é minha! 
                   
Se você tá pensando que demora
Pode ir muito antes do que eu
O homem não é peça de museu
Quando chega seu dia, vai embora
O relógio já conta sua hora
Não preciso falar nas entrelinhas
Sua sina é parar na capelinha
Os parentes chorando de saudade
Pra morar na cozinha da cidade
A pressa é do relógio, não é minha!
                   
Entra ano, sai ano e eu faceiro
Não podia querer coisa melhor
Quando lembro que um dia viro pó
Boto olho no tempo do ponteiro
Cada dia ele corre mais ligeiro
Vai por fim engolindo a minha linha
Só não quero me internar na camarinha
E acordar tão somente pra cuspir
Se é pra ser assim, prefiro ir
Tira a pressa do relógio e põe a minha!!!