A PEDRA DO CAPIM
(2ª Edição)
Vou contar neste romance
Uma história verdadeira
Passada nos anos vinte
Depois da guerra primeira
No lugarejo Capim
Terra de Lúcio Teixeira
A história de uma pedra
Uma pedra feiticeira
Dona Raimunda Nonata
Mulher de Lúcio Teixeira
Um braço dos Vasconcelos
De família pioneira
Mandatários do Capim
Terras de carnaubeiras
Janeiro de vinte e três
A mão ficou sem a luva
Faleceu Lúcio Teixeira
Raimunda ficou viúva
A falta do companheiro
Promete tempo de chuva
Certo dia um mascate
Por alcunha de Alfredo
Arranchado em sua casa
Lhe vendia um segredo
Era a pedra do mistério
Que moça não põe o dedo
Escute Dona Raimunda
Você vai me prometer
Só depois da menopausa
A mulher pode lhe ver
Se lhe quebrar o encanto
Você vai se arrepender
É coisa muito miúda
Muito fácil de guardar
Não mostre na claridade
Não deixe ninguém olhar
Só retire do baú
Na hora que for usar
A pedra tira veneno
De mordida e ferroada
Seja de bicho pequeno
Seja de cobra afamada
Aonde tiver veneno
A pedra fica grudada
A Senhora me conhece
Disse o velho comboieiro
Se não for como lhe digo
Me arrancho no terreiro
Aceito a pedra de volta
E lhe devolvo o dinheiro
Alfredo passa remédio
É Doutor na freguesia
Sua receita não falha
Curandeiro de valia
No fio do seu bigode
Dona Raimunda confia
Custa cinqüenta mil réis
Mas é coisa de primeira
Dona Raimunda vendeu
Duas arrobas de cera
É muita palha cortada
É muita carnaubeira
Por capricho do destino
Numa noite sem luar
A filha Ana Joaquina
Veio a pedra inaugurar
Jararaca no escuro
Cravou no seu calcanhar
A notícia dessa pedra
Se espalhou na região
Sua fama foi crescendo
Qual bando de lampião
Até a cobra já sabe
Da pedra da salvação
Ninguém sabe da origem
Nem sua composição
É um completo mistério
Ninguém dá definição
Se é prata se é ouro
Se é pedra se é torrão
Parece do outro mundo
Parece dona da força
Parece escama de peixe
Parece unha de moça
Parece casca de ovo
Parece caco de louça
Todo bicho venenoso
Se curva diante dela
Uma pedra poderosa
Ta sempre de sentinela
Na hora de dar o bote
A cobra já pensa nela
A pedra perdeu a conta
Das pessoas que salvou
Gente já desenganada
Carregados em andor
Gente pobre gente rica
Gente contra e a favor
Um corpo desfalecido
Trazido de animal
Cruzado sobre o cavalo
Em estado terminal
Caiu em cima do bote
Na rudia da Coral
O homem já não falava
Não dava sinal de vida
A pedra ficou grudada
Feito casca de ferida
O homem saiu andando
A pedra no chão caída
Outro dia na vazante
Apanhando algodão
Uma cobra agarrou
O dedo do meu irmão
Ele balançava o pé
Dava lapada no chão
Fomos correndo pra casa
Envenenados de medo
Antonia de Vasconcelos
Examinou o seu dedo
Corre pro Jenipapeiro
Veneno não é brinquedo
Chegamos no João Lúcio
Eu me sentei na calçada
Esperando que a pedra
Não fosse ficar grudada
A língua tava pra fora
Da carreira da estrada
Meu irmão ainda vive
A cobra lhe enganou
Na saída já corado
Airton me segredou
É uma casca de ovo
Não derruba beija-flor
Tempo depois uma freira
Da banda de Pirituba
Infestada de peçonha
Não andava sem ajuda
Foi na Rural do Bureta
Levada pra Macajuba
Saiu de lá caminhando
Chorando de emoção
Sua cadeira de rodas
Levada pra doação
Quem rezava obrigada
Reza sem obrigação
Passado recentemente
Com Tânia moça bonita
Seu pé já estava roxo
Quando chegou na visita
Uma hora de veneno
Na Pedra da Dona Rita
Um pescador afamado
O Lorinho do Arpão
Disparou o seu gatilho
Um tiro de campeão
Sua mão foi espetada
Na ponta do esporão
O bagre quando tá chôco
Pescador não vá pescar
Sua dor era medonha
Quando voltava do mar
A cada cinco minutos
Parava pra desmaiar
Chegou na casa da Pedra
Desmaiado no sofá
Veneno pra oito horas
Até o dia raiar
Toda vez que me encontra
Me convida pra pescar
O menino distraído
Brincava no seu terreiro
A cobra também estava
Escondida no canteiro
Menino passou raspando
Caiu no bote certeiro
O menino deu um grito
Já caiu desfalecido
Seu corpo todo estralava
Esqueleto enrijecido
Trocado por um bazé
Era dinheiro perdido
A coral mandou veneno
Da cabeça até o pé
Passou a noite na Pedra
Com olhos de caburé
Quando amanheceu o dia
Tava tomando café
A moça não conhecia
A história do cordel
Sua crença não passava
Do romance no papel
Um dia foi vitimada
De um inseto cruel
Pôs a calça sobre a cama
Pra vestir roupa folgada
Enquanto tomava banho
A lacraia fez morada
Quando vestiu novamente
Já sentiu a ferroada
Nem preciso lhe dizer
Da dor que ela sofreu
O veneno do inseto
Sua perna adormeceu
A Pedra fez o trabalho
A moça se convenceu
O macaco foi criado
Na corrente no terreiro
Seu dono desavisado
Cortou o seu cajueiro
O bicho ficou irado
De modo mais traiçoeiro
A mágoa ficou guardada
Até poder se vingar
Seu dono não esperava
Que fosse lhe atacar
Cortou de uma dentada
O tendão do calcanhar
A perna toda do homem
Estava comprometida
Salmôra do inflamado
Escorria da ferida
A pedra só não fechou
O buraco da mordida
O inseto não escolhe
Aonde pode picar
Pica velho pica moça
Pica tudo quanto há
Pica lugar escondido
Que eu não posso contar
Mas é trabalho perdido
Enquanto a pedra viver
Oinseto que procure
Outra coisa pra fazer
Se levar na Dona Rita
Nem adianta morder
A Medicina gastou
Mil anos a pesquisar
O soro antiofídico
A cobra mesmo é quem dá
Usa do próprio veneno
Pro veneno retirar
Quem tem a foto da cobra
Bordada no avental
Rebate o uso da pedra
Como se fosse do mal
A Pedra não se incomoda
Nem sabe quem é o tal
A Ciência acredita
No que possa comprovar
O Doutor bem que podia
Deixar a cobra picar
Eu garanto que a Pedra
Não ia discriminar
O Vigário, generoso
Que ensina acreditar
Na sua sabedoria
Manda lhe recomendar
Tem uma queda por ela
Espera não precisar
Na casa da Dona Rita
Vem gente de todo canto
A pedra é venerada
Feito milagre de santo
Só não pode tirar foto
Pra não quebrar o encanto
Antigamente só ia
Quem tinha sido mordido
Hoje vai gente caída
Gente com dor de ouvido
Com ibigo estufado
Com o dedo dismintido
A cobra ultimamente
Não manda quase ninguém
Vem gente pra tirar febre
De doença que não tem
Gente com cisco no olho
Com berruga no sedém
Todo dia tem alguém
Já virou uma rotina
Vai gente que se curava
Tomando uma aspirina
Vai gente queimar o dedo
Queimado na lamparina
A pedra hoje não dorme
Com tanta gente na porta
É gente com pé inchado
É gente da boca torta
É gente com dor na unha
A doença não importa
Dona Rita não se nega
Já se sente obrigada
Não tem dia não tem hora
Nem doença medicada
Bota pedra tira pedra
Por coisa que não é nada
No ano de vinte e sete
Ela foi adquirida
Lá se vão oitenta anos
E ela sempre na lida
Um dia toma veneno
No outro lambe ferida
A pedra não vê o sol
Nem quando muda de mão
De forma hereditária
Se morre seu guardião
Quando vai pra outra casa
É levada no surrão
O parente escolhido
Recebe como herança
A pedra é transmitida
Com dote de confiança
Feliz de quem manipula
A pedra da esperança
Com a morte de Raimunda
Ursula ficou na missão
Depois veio Manoel
Seu terceiro guardião
De Manoel para Rita
Continua a tradição
José o filho mais velho
De Rita e Manoel
Se nada lhe aconteça
Assumirá o papel
Um pilar dos Vasconcelos
Um mandatário fiel
Dona Raimunda se foi
Mas deixou a sua obra
Sua pedra encantada
Já fez milagres de sobra
Só falta tirar veneno
Diretamente da cobra
Maria Elizabeth
Em obra já publicada
Contou a mesma história
Não lhe mudei quase nada
Apenas contei em versos
Uma história já contada
Sou bisneto de Raimunda
Na linhagem feminina
De Geralda veio Antonia
Sua terceira menina
A fibra dessas mulheres
Me orgulha e me fascina
Termina aqui meu romance
Já que tudo tem um fim
A saga dos Vasconcelos
Não pode parar em mim
Outro dia vi a pedra
A Dama do camarim
Uma jóia de herança
Da Raimunda do Capim!!!